quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Filmes

 AFTERSUN (Avaliação 4/5 - Muito bom!)


 Com muita suavidade, “Aftersun” mostra drama de uma família disfuncional com elevada sutileza e senso crítico. Vamos a análise!
 Tenho certa admiração por filmes que produzem no espectador um senso de percepção sobre o material que está sendo exposto em tela. Fiquei por horas a fio buscando perceber o ar contemplativo e sensorial ao qual a diretora Charlotte Wells quis imprimir nesta obra e me deparei com tamanha perspicácia da mente por trás deste em como mostrar uma situação que é tão comum em nosso cotidiano de forma tão enigmática e por vezes, silenciosa. Acredite, querido leitor, o longa não te dá respostas precisas sobre o que realmente está acontecendo nas entrelinhas. Ele cria uma falsa linearidade apostando suas fichas em uma personagem que nos traz seu olhar sobre como ela está vendo o mundo ao seu redor naquela fase de sua vida. E são as pequenas assimilações que vão nos trazer o real significado que esta doce obra nos oferece. E digo doce - em parte - por algumas razões que tratarei abaixo neste texto.

Diversão que esconde a face de uma realidade.

 Uma narrativa focada em detalhes. Durante toda a projeção, vemos um pai (interpretado pelo ator Paul Mescal - que está entre os indicados ao Oscar 2023 como ‘Melhor ator’) e uma filha (interpretada com muita sensibilidade pela atriz mirim Frankie Corio) passando férias de verão juntos e o tempo todo tentando se divertirem e brincarem. Mas é exatamente aí que a falsa linearidade citada no parágrafo anterior acontece, pois em todo tempo, vemos basicamente toda a história sob o olhar doce e meigo da garotinha que está apenas passando suas férias escolares com seu pai. Durante todo o longa há uma vaga impressão de que tudo é lazer e alegria. Contudo são as reações do pai durante essa jornada que fazem o que parece linear se tornar completamente desconexo a princípio, pois algumas falas e ações dele denunciam o que está por trás das cortinas quando ninguém o está vendo. E a partir daqui, é difícil fazer uma explanação centrada sem se remeter a possíveis ‘spoilers’ sobre a obra. Mas tentarei trabalhar com o mínimo possível por aqui.
 Atitudes e falas que revelam caráter. Voltando-se agora somente para o pai da menina, é possível perceber a frustrante vida que ele levou principalmente na adolescência dele. Drogas, vícios, sexo desenfreado permeavam sua jornada até que o pior aconteceu: uma gravidez indesejada no auge da sua formação como pessoa. Não irei aqui detalhar nem como isso é percebível e nem como se dão essas revelações. Estou apenas aguçando seu cérebro, caro leitor, a sair do conforto da sua mente e notar todo esse drama subentendido em cenas pouco captáveis ao longo. Todavia, alguns ‘takes’ vão revelando o arrependimento e a amargura desse pai que, por alguma razão, teve toda sua juventude interrompida por erros incalculáveis dos quais até hoje ele sofre as consequências, desgostos e dissabores desses equívocos. E cá entre nós, infelizmente há determinadas falhas cometidas que refletirão e reverberarão em nosso futuro para o resto das nossas vidas. E é exatamente disso que o filme trata. Porém, como disse antes, não há uma captação dramática intensa sendo exibida. O que nos faz realmente assimilar são percepções extra-sensoriais que se revelam a conta-gotas ao longo. 
E acredito que é isso que isso torna o filme tão interessante em minha humilde opinião.

Atuações dignas e impecáveis.

 Atuações dignas e cativantes. A meiguice de Frankie Corio em sua atuação tira toda a atenção do foco real da trama. Você se vê entrelaçado muito mais com a filha do que com o pai em quase todos os momentos. Até porque ela rouba a cena em diversas partes estabelecendo pontos sobre aspectos da idade em que ela se encontra no filme (ela tem 11 anos) e instigando o espectador a enxergar o longa sob seu olhar. Entretanto, é na atuação de Paul Mescal que está a chave para esta dinâmica. Ele também passa o tempo todo querendo ser pai (soa meio estranho dizer isso, mas o filme se auto explica nisso) e é nessa tentativa que ele brilha como ator. A batalha interior que ele vive pelo seu passado doloroso - e que ainda está enraizado em seu presente - ele tenta suplantar aproveitando todos os momentos que pode com sua filha. E nesse ponto o conjunto da obra se torna bem idealizado e realizado com muito sucesso, justamente pela excelente interpretação e comprometimento de ambos em tela. Ponto muito positivo para essas ótimas atuações.
 Enfim, vale a pena ver o filme? MUITO RECOMENDADO! “Aftersun” recria situações do cotidiano com uma leveza e mostra com muita sutileza o declínio de uma vida desregrada e sem limites, juntamente com as consequências disso. Todavia, caro amigo leitor, não foi nada fácil extrair essas informações do filme. Desafio a você, mesmo lendo essa resenha, a assistir e perceber aonde estão as respostas que a obra quer realmente mostrar. Você irá notar o quão imperceptível são essas informações. Vale demais o ingresso!

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