AFTERSUN (Avaliação 4/5 - Muito bom!)
Com muita suavidade, “Aftersun” mostra drama de uma família
disfuncional com elevada sutileza e senso crítico. Vamos a análise!
Tenho certa admiração por filmes que produzem no espectador um
senso de percepção sobre o material que está sendo exposto em
tela. Fiquei por horas a fio buscando perceber o ar contemplativo e
sensorial ao qual a diretora Charlotte Wells quis imprimir nesta obra e me deparei com tamanha perspicácia
da mente por trás deste em como mostrar uma situação que é tão
comum em nosso cotidiano de forma tão enigmática e por vezes,
silenciosa. Acredite, querido leitor, o longa não te dá respostas
precisas sobre o que realmente está acontecendo nas entrelinhas. Ele
cria uma falsa linearidade apostando suas fichas em uma personagem
que nos traz seu olhar sobre como ela está vendo o mundo ao seu
redor naquela fase de sua vida. E são as pequenas assimilações que
vão nos trazer o real significado que esta doce obra nos oferece. E
digo doce - em parte - por algumas razões que tratarei abaixo neste
texto.
![]() |
Diversão que esconde a face de uma realidade. |
Uma narrativa focada em detalhes. Durante toda a projeção, vemos um
pai (interpretado pelo ator Paul Mescal - que está entre
os indicados ao Oscar 2023 como ‘Melhor ator’) e uma filha
(interpretada com muita sensibilidade pela atriz mirim Frankie Corio)
passando férias de verão juntos e o tempo todo tentando se
divertirem e brincarem. Mas é exatamente aí que a falsa
linearidade citada no parágrafo anterior acontece, pois em todo
tempo, vemos basicamente toda a história sob o olhar doce e meigo da
garotinha que está apenas passando suas férias escolares com seu
pai. Durante todo o longa há uma vaga impressão de que tudo é
lazer e alegria. Contudo são as reações do pai durante essa
jornada que fazem o que parece linear se tornar completamente
desconexo a princípio, pois algumas falas e ações dele denunciam o
que está por trás das cortinas quando ninguém o está vendo. E a
partir daqui, é difícil fazer uma explanação centrada sem se
remeter a possíveis ‘spoilers’ sobre a obra. Mas tentarei
trabalhar com o mínimo possível por aqui.
Atitudes e falas
que revelam caráter. Voltando-se agora somente para o pai da menina,
é possível perceber a frustrante vida que ele levou principalmente
na adolescência dele. Drogas, vícios, sexo desenfreado permeavam
sua jornada até que o pior aconteceu: uma gravidez indesejada no
auge da sua formação como pessoa. Não irei aqui detalhar nem como
isso é percebível e nem como se dão essas revelações. Estou
apenas aguçando seu cérebro, caro leitor, a sair do conforto da sua
mente e notar todo esse drama subentendido em cenas pouco captáveis
ao longo. Todavia, alguns ‘takes’ vão revelando o arrependimento
e a amargura desse pai que, por alguma razão, teve toda sua
juventude interrompida por erros incalculáveis dos quais até hoje
ele sofre as consequências, desgostos e dissabores desses equívocos.
E cá entre nós, infelizmente há determinadas falhas cometidas que
refletirão e reverberarão em nosso futuro para o resto das nossas
vidas. E é exatamente disso que o filme trata. Porém, como disse
antes, não há uma captação dramática intensa sendo exibida. O
que nos faz realmente assimilar são percepções extra-sensoriais
que se revelam a conta-gotas ao longo. E acredito que é isso que isso torna o filme tão interessante em
minha humilde opinião.
![]() |
Atuações dignas e impecáveis. |
Atuações dignas e cativantes. A meiguice de Frankie Corio em sua
atuação tira toda a atenção do foco real da trama. Você se vê
entrelaçado muito mais com a filha do que com o pai em quase todos
os momentos. Até porque ela rouba a cena em diversas partes
estabelecendo pontos sobre aspectos da idade em que ela se encontra
no filme (ela tem 11 anos) e instigando o espectador a enxergar o
longa sob seu olhar. Entretanto, é na atuação de Paul Mescal que
está a chave para esta dinâmica. Ele também passa o tempo todo
querendo ser pai (soa meio estranho dizer isso, mas o filme se auto
explica nisso) e é nessa tentativa que ele brilha como ator. A
batalha interior que ele vive pelo seu passado doloroso - e que ainda
está enraizado em seu presente - ele tenta suplantar aproveitando
todos os momentos que pode com sua filha. E nesse ponto o conjunto da
obra se torna bem idealizado e realizado com muito sucesso,
justamente pela excelente interpretação e comprometimento de ambos
em tela. Ponto muito positivo para essas ótimas atuações.
Enfim, vale a pena ver o filme? MUITO RECOMENDADO! “Aftersun”
recria situações do cotidiano com uma leveza e mostra com muita
sutileza o declínio de uma vida desregrada e sem limites, juntamente
com as consequências disso. Todavia, caro amigo leitor, não foi
nada fácil extrair essas informações do filme. Desafio a você,
mesmo lendo essa resenha, a assistir e perceber aonde estão as
respostas que a obra quer realmente mostrar. Você irá notar o quão
imperceptível são essas informações. Vale demais o ingresso!