quarta-feira, 28 de abril de 2021

Filmes

 NOMADLAND (Avaliação 5/5 - Excelente!)


 Grande vencedor do ‘Oscar 2021’, filme dirigido pela coreana Chloé Zhao encanta pela sua narrativa profundamente filosófica. Vamos a análise!
 A premissa básica logo identificada na construção do roteiro dessa obra é confrontar o espectador sobre algo que, muitas das vezes, na correria do dia a dia, não percebemos, que é a brevidade da nossa vida e o quanto nada é muito certo nesse mundo que vivemos. O filme transborda complexidade ao nos apresentar ‘Fern’ (Frances McDormand), uma mulher que decidiu alicerçar seus pilares isolada de tudo e morar com o marido em um vilarejo oferecido pela fábrica onde trabalhava em um lugar muito distante da família, mas vê sua vida se desconstruir quando a empresa quebra e seu marido vem a falecer. Atordoada pela mudança brusca de situação, percebe que transitoriedade e relatividade são termos mais comuns do que cada ser humano pode assimilar e começa um profundo questionamento sobre a vida e determinados valores que estão impregnados no indivíduo, como observar que tipo de coisas você realmente busca em sua vida. Qual é o limite do ser humano na sua ânsia pelo ter? É justamente quando você ‘perde o chão’ que você talvez comece a notar que nada daquilo que busca ou buscou construir faz muito sentido. E é nessa veia altamente filosófica que o longa da premiada diretora se envereda e cria um ambiente reflexivo narrativo dos mais belos e profundos já produzidos.

A protagonista 'Fern' (Frances McDormand)

 ‘Vaidade das vaidades, tudo é vaidade’, já dizia o pregador Salomão em Eclesiastes. E talvez não há terminologia mais adequada para se embasar o argumento do filme. ‘Fern’ dialoga quase que o tempo inteiro lidando com a razão, a emoção e o bom senso suprimindo a dor em uma jornada nômade como ela mesma decidiu trilhar. Nada mais de buscar sonhos, nada mais de querer construir impérios. Apenas elevar o espírito e perceber as coisas simples da vida. E a estética visual criada pela diretora nos revela esse novo traço da protagonista e seu intenso contraste de sair do ‘lugar comum’ para produzir novas experiências. A direção de fotografia em muitos ‘takes’ reproduz lugares, paisagens e momentos que faz nos distanciar do fervilho da metrópole e do caos urbano para ampliação da mente na percepção de mundo. É muito interessante como o filme dialoga essa perspectiva com o público e nos faz enxergar que o caminho único e retilíneo simplesmente não existe. A ‘curva acentuada’ da nossa estrada pode aparecer e mudar todo o nosso jeito de olhar ao redor e concluir que a maior certeza que deveríamos trazer conosco é que o incerto fica logo ali, no meio das vãs vaidades e da nossa mais profunda percepção de estabilidade. E o filme é maduro ao mostrar que, embora a protagonista esteja ainda superando a dor, ela busca encontrar um melhor equilíbrio na instabilidade que a vida lhe causou e não criar mais o conceito de ‘estar totalmente seguro dentro de um invólucro’. E a mensagem que o filme quer passar é justamente essa: não crie bases seguras na sua mente e no seu coração. Tenha a certeza de que tudo passa e o que fica são suas experiências de vida e o quanto você viveu, e não a confiança que deposita no seu trabalho ou nos seus bens. Nada nesse mundo é eterno. E o que mais reproduz essa minha afirmativa são os diálogos concisos e em determinados pontos, tocantes. São justamente eles que norteiam a produtiva, contemplativa e filosófica narrativa (Salta-me uma das cenas do filme, onde ela passa em frente a uma sala de cinema e o filme que está passando é ‘Os Vingadores’, de 2012. E ela passa por aquilo sem sequer dar atenção, dando claramente a entender que suas prioridades são outras. Enquanto o mundo queria ver ‘Avengers’, ‘Fern’ reproduz o contrário, dando um entendimento da futilidade daquele evento que para muitos, era o ‘auge’. E não há certo ou errado nessa cena. Apenas a percepção do foco nas prioridades do que ela entende como viver. Interessantíssima essa abordagem da diretora). Simplesmente maravilhoso! ^^

Direção de Fotografia extremamente contemplativa!

 Detentora já de seu terceiro ‘Oscar’ (ela recebeu por este também a estatueta de ‘Melhor Atriz’), Frances McDormand simplesmente flui em uma atuação tão suave e tão sensível que, por vezes, o longa parece reproduzir um documentário, tamanha entrega em sua performance. Sem maquiagens, sem elegância, sem filtro. Deixando se elevar em um altíssimo grau de comprometimento e interpretação. Prezando pela pureza e naturalidade das cenas e praticamente confundindo a personagem com a atriz. A relação é de quase ‘Fern’ ser uma pessoa real retratada no longa. Impecável sua atuação e merecida sua indicação e consequente obtenção do prêmio. ;)
 A também premiada diretora Chloé Zhao busca a todo momento reproduzir visualmente toda a carga dramática que o longa possui. Para se aperceber disso, no primeiro ato as cenas iniciais me causam estranheza pelo total silêncio (não há diálogos nesse momento, só a protagonista reproduzindo a dor da mudança), pela falta de trilha sonora e pelo local onde ‘Fern’ mora estar um frio congelante. Mais pra frente você entende pelos diálogos que todo o ambiente visual reproduzia a melancolia e profunda tristeza da personagem pelo que lhe havia acontecido naquele lugar. E cada ‘take’ reproduz significativamente os estágios da mudança e do amadurecimento da protagonista. Há certo brilhantismo em sua forma de demonstrar os acontecimentos através da ambientação panorâmica da cena. Fica muito evidente essa técnica usada por ela e reproduz majestosamente os sentimentos mistos da protagonista, além de produzir várias provocações filosóficas diante do espectador. Incrível!
 Enfim, vale a pena ver o filme? RECOMENDADÍSSIMO! Como dito anteriormente, além do prêmio de ‘Melhor filme’, ‘Nomadland’ recebeu outros dois de ‘Melhor Atriz’ para Frances e ‘Melhor Direção’ para Chloé. Um filme captativo, lúcido e extremamente reflexivo para nossos dias atuais. Faz-nos enxergar (para aqueles que perceberem a atmosfera do longa) o quanto somos limitados nesse mundo e o quanto a vida por vezes ‘escorre’ pelas nossas mãos em situações nas quais não entenderemos ou não teremos domínio nenhum sobre elas. Faz-nos enxergar e exaltar o simples, ao mesmo tempo que filosoficamente se opõe ao caminho que a sociedade se propõe, não exatamente afirmando que é errado, mas confrontando o exagero. Trouxe-me uma carga analítica muito profunda ao sair da sala de cinema. Recomendo demais. Vale muito o ingresso!


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