NOMADLAND (Avaliação 5/5 - Excelente!)
Grande vencedor do ‘Oscar 2021’, filme dirigido pela coreana
Chloé Zhao encanta pela sua narrativa profundamente filosófica.
Vamos a análise!
A premissa básica logo identificada na
construção do roteiro dessa obra é confrontar o espectador sobre
algo que, muitas das vezes, na correria do dia a dia, não
percebemos, que é a brevidade da nossa vida e o quanto nada é muito
certo nesse mundo que vivemos. O filme transborda complexidade ao nos
apresentar ‘Fern’ (Frances McDormand), uma mulher que decidiu
alicerçar seus pilares isolada de tudo e morar com o marido em um
vilarejo oferecido pela fábrica onde trabalhava em um lugar muito
distante da família, mas vê sua vida se desconstruir quando a
empresa quebra e seu marido vem a falecer. Atordoada pela mudança
brusca de situação, percebe que transitoriedade e relatividade são
termos mais comuns do que cada ser humano pode assimilar e começa um
profundo questionamento sobre a vida e determinados valores que estão
impregnados no indivíduo, como observar que tipo de coisas você
realmente busca em sua vida. Qual é o limite do ser humano na sua
ânsia pelo ter? É justamente quando você ‘perde o chão’ que
você talvez comece a notar que nada daquilo que busca ou buscou
construir faz muito sentido. E é nessa veia altamente filosófica
que o longa da premiada diretora se envereda e cria um ambiente
reflexivo narrativo dos mais belos e profundos já produzidos.
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A protagonista 'Fern' (Frances McDormand) |
‘Vaidade das vaidades, tudo é vaidade’, já dizia o pregador Salomão em Eclesiastes. E talvez não há terminologia mais adequada para se embasar o argumento do filme. ‘Fern’ dialoga quase que o tempo inteiro lidando com a razão, a emoção e o bom senso suprimindo a dor em uma jornada nômade como ela mesma decidiu trilhar. Nada mais de buscar sonhos, nada mais de querer construir impérios. Apenas elevar o espírito e perceber as coisas simples da vida. E a estética visual criada pela diretora nos revela esse novo traço da protagonista e seu intenso contraste de sair do ‘lugar comum’ para produzir novas experiências. A direção de fotografia em muitos ‘takes’ reproduz lugares, paisagens e momentos que faz nos distanciar do fervilho da metrópole e do caos urbano para ampliação da mente na percepção de mundo. É muito interessante como o filme dialoga essa perspectiva com o público e nos faz enxergar que o caminho único e retilíneo simplesmente não existe. A ‘curva acentuada’ da nossa estrada pode aparecer e mudar todo o nosso jeito de olhar ao redor e concluir que a maior certeza que deveríamos trazer conosco é que o incerto fica logo ali, no meio das vãs vaidades e da nossa mais profunda percepção de estabilidade. E o filme é maduro ao mostrar que, embora a protagonista esteja ainda superando a dor, ela busca encontrar um melhor equilíbrio na instabilidade que a vida lhe causou e não criar mais o conceito de ‘estar totalmente seguro dentro de um invólucro’. E a mensagem que o filme quer passar é justamente essa: não crie bases seguras na sua mente e no seu coração. Tenha a certeza de que tudo passa e o que fica são suas experiências de vida e o quanto você viveu, e não a confiança que deposita no seu trabalho ou nos seus bens. Nada nesse mundo é eterno. E o que mais reproduz essa minha afirmativa são os diálogos concisos e em determinados pontos, tocantes. São justamente eles que norteiam a produtiva, contemplativa e filosófica narrativa (Salta-me uma das cenas do filme, onde ela passa em frente a uma sala de cinema e o filme que está passando é ‘Os Vingadores’, de 2012. E ela passa por aquilo sem sequer dar atenção, dando claramente a entender que suas prioridades são outras. Enquanto o mundo queria ver ‘Avengers’, ‘Fern’ reproduz o contrário, dando um entendimento da futilidade daquele evento que para muitos, era o ‘auge’. E não há certo ou errado nessa cena. Apenas a percepção do foco nas prioridades do que ela entende como viver. Interessantíssima essa abordagem da diretora). Simplesmente maravilhoso! ^^
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Direção de Fotografia extremamente contemplativa! |
Detentora já de seu terceiro ‘Oscar’ (ela recebeu por este
também a estatueta de ‘Melhor Atriz’), Frances McDormand
simplesmente flui em uma atuação tão suave e tão sensível que,
por vezes, o longa parece reproduzir um documentário, tamanha
entrega em sua performance. Sem maquiagens, sem elegância, sem
filtro. Deixando se elevar em um altíssimo grau de comprometimento e
interpretação. Prezando pela pureza e naturalidade das cenas e
praticamente confundindo a personagem com a atriz. A relação é de
quase ‘Fern’ ser uma pessoa real retratada no longa. Impecável
sua atuação e merecida sua indicação e consequente obtenção do
prêmio. ;)
A também premiada diretora Chloé Zhao busca a
todo momento reproduzir visualmente toda a carga dramática que o
longa possui. Para se aperceber disso, no primeiro ato as cenas
iniciais me causam estranheza pelo total silêncio (não há diálogos
nesse momento, só a protagonista reproduzindo a dor da mudança),
pela falta de trilha sonora e pelo local onde ‘Fern’ mora estar
um frio congelante. Mais pra frente você entende pelos diálogos que
todo o ambiente visual reproduzia a melancolia e profunda tristeza da
personagem pelo que lhe havia acontecido naquele lugar. E cada ‘take’
reproduz significativamente os estágios da mudança e do
amadurecimento da protagonista. Há certo brilhantismo em sua forma
de demonstrar os acontecimentos através da ambientação panorâmica
da cena. Fica muito evidente essa técnica usada por ela e reproduz
majestosamente os sentimentos mistos da protagonista, além de
produzir várias provocações filosóficas diante do espectador.
Incrível!
Enfim, vale a pena ver o filme? RECOMENDADÍSSIMO!
Como dito anteriormente, além do prêmio de ‘Melhor filme’,
‘Nomadland’ recebeu outros dois de ‘Melhor Atriz’ para
Frances e ‘Melhor Direção’ para Chloé. Um filme captativo,
lúcido e extremamente reflexivo para nossos dias atuais. Faz-nos
enxergar (para aqueles que perceberem a atmosfera do longa) o quanto
somos limitados nesse mundo e o quanto a vida por vezes ‘escorre’
pelas nossas mãos em situações nas quais não entenderemos ou não
teremos domínio nenhum sobre elas. Faz-nos enxergar e exaltar o
simples, ao mesmo tempo que filosoficamente se opõe ao caminho que a
sociedade se propõe, não exatamente afirmando que é errado, mas
confrontando o exagero. Trouxe-me uma carga analítica muito profunda
ao sair da sala de cinema. Recomendo demais. Vale muito o ingresso!